quarta-feira, 30 de julho de 2008

APRENDIZAGEM ENCAPSULADA

Resenha do texto:

ENGESTROM, YRJO. Non scolade sed vitae discimus: como superar a encapsulação da aprendizagem escolar. In:
Em seu texto, Engestro discute a respeito da diferença entre a aprendizagem efetivada dentro da escola e a cognição desenvolvida fora dela. Segundo Resnick, apud Engestrom, parece não existir uma relação entre as “regras simbólicas” trabalhadas na escola e as vivências extra-escolares do aluno. Daí afirma-se que os conhecimentos adquiridos na escola em nada contribuem para o desempenho e a vida do aluno fora das instituições de ensino, assim como os conhecimentos trazidos por estes alunos, com base em suas experiências além dos muros escolares, não são utilizados como base para a construção do conhecimento escolar.
Alguns autores propõem alternativas visando a superação desta fragmentação escola-sociedade – também denominada como “encapsulação da aprendizagem escolar”. Brown, Collins & Duguid apresentam o que nomeiam de “aprendizagem situada” e “aprendizado cognitivo”. Bransford, expõe a idéia de “ensino ancorado” e Gardner, entre outros autores, apresentam uma análise diferenciada.
Neste texto, são apresentadas ainda, três abordagens que buscam romper com esse modelo da “encapsulação da aprendizagem escolar”, são elas 1) a teoria de “ascensão do abstrato para o concreto” – Davydov –; 2) da “participação periférica legítima” – Jean Lave e Etienne Wenger – e 3) do “aprendendo por expansão” – desenvolvida pelos grupos de Engestrom.
A idéia comum a essas três abordagens é a visualização da “atividade ou prática conjunta como unidade de análise” – baseando-se nos estudos de Leontiév e Wertsch – e a importância dada aos “artefatos mediadores na cognição e na aprendizagem humanas” (ENGESTROM, p. 176).
Para analisar estas três abordagens, a autora utiliza como base o exemplo das fases da lua, ponderando os critérios que cada uma destas teorias utiliza para romper com a “encapsulação da aprendizagem escolar”.
Para explicar como de desenvolvem as fases da lua, poderíamos consultar livros e outras pessoas, observar o evento e anotar suas manifestações. Porém, esse não é considerado como um modelo “ideal”, mas “natural” de aprendizagem. Uma aprendizagem corriqueira que, para Resnick, apud Engestrom, “tende a resultar em ‘habilidades altamente situadas’ que – sobretudo se rotinizadas em prática repetida – são difíceis de modificar, abandonar e substituir por novos procedimentos quando a tarefa e o contexto mudam” (p. 177-8).
Quando se trata do estudo das fases da lua em âmbito escolar, o que a autora destaca com sua pesquisa é o grande desconhecimento dos alunos no que tange à esse assunto, atribuindo à educação parte da responsabilidade por este fato. A crítica está no fato de não observamos o que estudamos, simplesmente reproduzindo frases soltas, desconexas e sem sentido para nós, mas já ditas por outrem. É por isso que Wagenschein, apud Engestrom traz as seguintes palavras para caracterizar a “estupidez sintética”: “Ele aprendeu errado por meio do assim chamado ensino” (p. 180). Assim, há uma distância entre a lua e o sol trabalhados em sala de aula e a lua e o sol que podem ser observados pelos alunos fora desse contexto. O modelo apresentado formalmente na escola nunca é construído e testado pelos alunos; os livros didáticos trazem um mundo linear, bidimensional, com distâncias e tamanhos distorcidos.
Quando falamos na “encapsulação da aprendizagem escolar”, o texto escolar é vislumbrado como um objeto da atividade e não como um dos instrumentos para entender o mundo, o que empobrece todo o processo de aprendizagem.
Voltando às abordagens que buscam a superação da “encapsulação da aprendizagem escolar”, a teoria de Davydov, da “ascensão do abstrato para o concreto”, tem como base Marx, transportando sua idéia de mercadoria para o ensino-aprendizagem. Nela, o movimento realizado é do geral para o particular, sempre buscando a gênese das questões estudadas. Segundo Davydov, apud Engestrom, existem seis ações constitutivas da aprendizagem:

(1) transformar as condições da tarefa a fim de revelar a relação universal do objeto em estudo;
(2) modelar a relação não-identificada numa forma de item específico, gráfica ou literal;
(3) transformar o modelo da relação a fim de estudar suas propriedades em sua “aparência pura”;
(4) construir um sistema de tarefas particulares que são resolvidas por um modo geral;’
(5) monitorar o desempenho das ações precedentes;
(6) avaliar a assimilação do modo geral que resulta da resolução da tarefa de aprendizagem dada (p. 185-6).

O foco deixa de estar no livro didático e passa-se a trabalhar com um “contexto de descoberta”, que é aberto e passível de (re)construção pelos próprios alunos. Atualmente, estudiosos deste autor valorizam, ainda, a realização de trabalhos coletivos. A crítica feita por Engestrom à esta teoria está na ausência de mudanças, se comparado com o ensino tradicional, no que se refere às regras e divisão do trabalho. Segundo a autora, o que Davidov propõe é que se empurre “a escola para dentro do mundo, tornando-a dinâmica e teoricamente poderosa no enfrentamento de problemas práticos” (ENGESTROM, p. 187).
A segunda teoria analisada é a da “participação periférica legítima”, formulada por Jean Lave e Etienne Wenger. Elas defendem que a aprendizagem deve ser analisada como uma parte integral da prática social em que está ocorrendo, procedendo de tarefas menos importantes e simples e dando origem à tarefas “nucleares”, cruciais e completas. Para Lave e Wenger, apud Engestrom, a aprendizagem é efetivada:
(a) quando os participantes têm amplo acesso a diferentes partes da atividade e terminam procedendo à plena participação nas tarefas nucleares, (b) quando há abundante interação horizontal entre os participantes, mediadas por histórias de situações problemáticas e suas soluções, e (c) quando as tecnologias e estruturas da comunidade de prática são transparentes (p. 188).
De acordo com a teoria destas autoras, necessário seria uma que houvesse uma reformulação da organização social da escola para que os objetivos expostos acima pudessem ser concretizados. O foco, portanto, volta-se para a o contexto de aplicação prática e a proposta empurra “comunidades de prática do mundo exterior para dentro da escola” (ENGESTROM, p. 191).
Por sua vez, a terceira e última abordagem, denominada por “aprendendo por expansão” e elaborada pelos grupos da própria autora – Engestrom –, traz a idéia de que, para romper com a “encapsulação da aprendiagem”, indispensável se faz que os atores da escola, principalmente os alunos, possam olhar para seus conteúdos e procedimentos, analisando-os criticamente e sistematicamente, com base no contexto atual em que estão inseridos – “contexto da crítica”. Desta maneira, os alunos teriam a oportunidade de participar do planejamento – forma e conteúdo – daquilo que é trabalhado dentro de sala. Assim, valoriza-se os conhecimentos prévios do aluno e suas vivências extra-escolares, sendo possível modificar e reorganizar o próprio contexto da aprendizagem. A proposta desta teoria é exatamente transformar “a própria atividade da aprendizagem escolar desde dentro” (ENGESTROM, p. 196).
Diante das três abordagens, Engestrom propõe como novo e expandido objeto da aprendizagem, as “relações entre o contexto da crítica, o contexto da descoberta e o contexto da aplicação prática social” (p. 193). Isso significa valorizar as especificidades das três abordagens, compreendendo a importância de cada uma delas para enfim romper com a “encapsulação da aprendizagem”, em prol de uma educação que vá além dos muros da escola.
(GISELE B.)

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